Bárbara Gusmão
Originário na Idade Média, tinha de início caráter religioso; depois tornou-se popular, para distração do povo. Foi Gil Vicente (1465-c. 1537) que introduziu esse tipo de teatro em Portugal. Esse Auto, classificado pelo próprio autor como um "auto de moralidade", tem como cenário um porto imaginário, onde estão ancoradas duas barcas: uma como destino o paraíso, tem como comandante um anjo; a outra, com destino ao inferno, tem como comandante o diabo, que traz consigo um companheiro. Com relação a tempo, pode-se dizer que é psicológico, uma vez que todos os personagens estão mortos, perdendo-se assim a noção do tempo.
Todas as almas, assim que se desprendem dos corpos, são obrigadas a passar por esse lugar para serem julgadas. Dependendo dos atos cometidos em vida, elas são condenadas à Barca da Glorificação ou à do Inferno. Tanto o anjo quanto o diabo podem acusar as almas, mas somente o anjo tem o poder da absolvição. Quanto ao estilo, pode-se dizer todo Auto é escrito em tom coloquial, ou seja, a linguagem aproxima-se a da fala, revelando assim a condição social das personagens, e todos o versos são Redondilhas maiores, sete sílabas poéticas.


Cenário

Um ancoradouro, no qual estão atracadas duas barcas. Todos os mortos, necessariamente, têm de passar por esta paragem, sendo julgados e condenados ou à barca da Glória ou à barca do Inferno. 


A peça tem seu início quando as almas chegam subitamente a um rio (ou braço de mar) que, forçosamente, todos os mortos terão de atravessar, não sem antes sofrerem um julgamento.
Ao que tudo indica, o cenário da peça era rudimentar, possivelmente um salão (quarto) e alguns poucos móveis e panos. A mímica tem lugar de destaque, servindo de marcação e de direcionamento da ação. 

Personagens

Diabo: condutor das almas ao Inferno, conhece muito bem cada um dos personagens que lhe cai às mãos; é zombeteiro, irônico e bom argumentador. É um juiz, que exibe às claras o lado mais recôndito dos personagens, e revelando o que cada um deles procura esconder.

Anjo: Comandante da barca do céu. Representante de Deus... 

Fidalgo: Com um manto e pajem (criado) que transporta uma cadeira de espaldas. Estes elementos simbolizam a opressão dos mais fortes, a tirania e a presunção do moço.
Onzeneiro: (Agiota) Simboliza o apego ao dinheiro, a ambição , a ganância e a usura.
Parvo: Um tolo, ingênuo. Representa a inocência e a ingenuidade. 
Sapateiro: Com avental e formas de sapateiro. Estes elementos simbolizam a exploração interesseira, da classe burguesa comercial.
Frade: Com uma Moça (Florença), uma espada, um escudo, um capacete e o seu hábito. Estes elementos representam a vida mundana do clero, e a dissolução dos seus costumes.
Alcoviteira: Com arcas de feitiços, armários de mentir, furtos alheios, jóias de seduzir, guarda-roupa de encobrir, casa movediça, estrado de cortiça, coxins e moças. Estes elementos representam a exploração interesseira dos outros, para seu próprio lucro e a sua atividade de alcoviteira ligada à prostituição.
Judeu: Com bode. Simboliza a rejeição à fé cristã, pois o bode é o símbolo do Judaísmo.
Corregedor e Procurador: Com processos, vara da Justiça e livros. Estes elementos simbolizam a magistratura.
Enforcado: Com a corda (com que fora enforcado) ao pescoço. Representa a sua vida terrena vil e corruptível.
Quatro Cavaleiros: Com a cruz de Cristo, que simboliza a fé dos cavaleiros pela religião católica.

Considerações da Equipe de Trabalho

Todos os personagens que têm como destino o inferno possuem algumas características comuns, chegam trazendo consigo objetos terrenos, representando seu apego à vida; por isso, tentam voltar. E os personagens a quem se oferece o céu são cristãos e puros. O mundo aqui ironizado pelo autor é maniqueísta: o bem e o mal; o bom e o ruim são metades de um mundo moral simplificado.
A sátira social é implacável e coloca em prática um lema, que é "rindo, corrigem-se os defeitos da sociedade". A obra tem, portanto, valor educativo muito forte. A sátira vicentina serve para nos mostrar, tocando nas feridas sociais de seu tempo, que havia um mundo melhor, em que todos eram melhores. Mas é um mundo perdido, infelizmente. Ou seja, a mensagem final, por trás dos risos, é um tanto pessimista.
Na peça, é clara a intenção do autor em expor de forma satírica e despojada os grandes vícios humanos. A forma encontrada para isso reside nos personagens, ou melhor, nas almas que se apresentam no porto em busca do transporte para o outro lado, dentro da visão católica e platônica de céu e inferno. 
No auto, o autor faz o Diabo (sujeito/protagonista) parecer-se com um vendedor, ou seja, ele conhece bem as pessoas e é um ótimo argumentador, e busca obter o maior número de objetos, ou seja, de almas. Ele age como zombeteiro e irônico em certos momentos da peça, exibindo o lado mais errado dos personagens e revelando o que cada um deles deseja esconder, seus vícios e suas fraquezas. Como competência, ele tem o poder de retrucar, argumentar e penetrar nas consciências humanas, e acaba por levar cada personagem ao ato de refletir sobre seus feitos, para que percebam que não foram bons em vida, destacando assim o Teocentrismo medieval. Interessante ressaltar também que o Diabo nunca força ninguém ao pecado, ele apenas trabalha com as atitudes das próprias pessoas. 

3 Responses
  1. Unknown Says:

    No caos da barca infernal já podemos ver o árduo caminho daqueles que praticaram o mal em vida para a vida eterna nas profundezas... bela análise.


  2. Unknown Says:
    Este comentário foi removido pelo autor.

  3. Gostei muito de suas postagens, Bah!! Seu Blog tbm, está magnífico, lindo!!!!


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